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O Trust da Flórida e a Sucessão Familiar

J. Rubens Scharlack | Scharlack


O trust é uma ferramenta bastante flexível. O instrumento de sua criação pode acomodar diferentes desejos do settlor. Estes, no entanto, só serão interpretados como comandos ao trustee se estiverem grafados com linguagem cogente. Do contrário, o trustee estará autorizado a interpretá-los como meros desejos ou vontades do settlor, e não como regras a serem cumpridas, podendo inclusive ignorá-los. Para se evitar isso, o instrumento de criação do trust deve conter linguagem mandatória e evitar o que se chama precatory language.


Imagine-se, por exemplo, que um settlor tenha como patrimônio bens imóveis e aplicações financeiras. Suponha-se, também que o settlor deseje preservar ao máximo seu patrimônio para as gerações futuras, sem, no entanto, desamparar seus descendentes imediatos. Ele pode transferir esse patrimônio para um trust e comandar ao trustee que apenas distribua à primeira geração de descendentes (i.e., os filhos do settlor) as receitas de aluguel e os juros das aplicações financeiras, e que preserve o principal (isto é, os imóveis em si e o valor original das aplicações) para a segunda geração (i.e., os netos do settlor). Comandos como este podem perpetuar-se por múltiplas gerações, observando-se alguns cuidados. Tais trusts, chamados dynasty trusts, podem durar até 360 anos na Flórida.


Algumas regras podem ser embutidas no instrumento do trust para evitar que o patrimônio familiar se esvaia em dívidas de um ou mais beneficiários. A cláusula de distribuição discricionária dá ao trustee o poder de decidir se distribui ou não valores a um beneficiário com dívidas. A cláusula spendthrift impede que o beneficiário aliene seu interesse no trust a terceiros.



Percebe-se, portanto, a importância do instrumento do trust ser bem escrito e ponderado com vagar. Ele deve prever o máximo de situações possível e, ainda, deve trazer regras para resolver situações não previstas. Um trust bem estruturado evita, além de dores de cabeça na família, a necessidade de inventário, no Brasil ou no exterior, quando do falecimento do settlor.

No Brasil, além do trust ser usualmente recomendável em relação a bens situados no exterior, alguns cuidados devem ser tomados em relação à legítima (i.e., à porção da herança que por lei deve ser distribuída aos herdeiros necessários). Isso não significa, porém, que o settlor não possa, em vida, transferir seu patrimônio ao trust de forma irrevogável, posto que o settlor é senhor absoluto de seu patrimônio enquanto vivo e em pleno gozo de suas faculdades mentais, e o artigo 426 do Código Civil Brasileiro impede a transação de herança de pessoa viva.


No entanto, trusts revogáveis, por efetivamente transferirem o patrimônio do settlor apenas depois do falecimento deste, devem obediência à legítima, o que pode ser alcançado por diversas formas (por exemplo direcionando-se no trust o patrimônio a ser distribuído a cada herdeiro necessário conforme o quinhão a ele legalmente atribuível). Ademais, embora o consentimento do beneficiário não seja necessário à formação válida de um trust, pode-se obter a anuência dos beneficiários que sejam herdeiros necessários aos termos do trust, o que diminui o risco de sua ulterior contestação.


Por fim, o trust pode comprar um seguro de vida na vida do settlor para indenizar herdeiros necessários que posteriormente se revelem descontentes com os termos do trust, preservando assim, a um só tempo, a estrutura originalmente desejada pelo settlor e o bem-estar da família como um todo.



 

J. Rubens Scharlack


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